Joaquim dos Santos Rodrigues, conhecido como "Seu Lunga", morreu às 9h30
da manhã deste sábado, 22, na cidade de Barbalha, no Interior do Ceará.
Seu Lunga foi internado na última quarta-feira, 19, por complicações no
sistema digestivo. O quadro piorou na sexta-feira, levando ao
falecimento do poeta.
Seu Lunga tinha 87 anos e estava internado no Hospital São Vicente de Paulo, em Barbalha, onde tratava de um câncer de esôfago.
De acordo com Demontier Tenório, primo em segundo grau do sucateiro, há cerca de seis meses ele foi submetido a uma cirurgia no esôfago, mas se recuperava bem.
A previsão é que o corpo seja velado na Capela de São Vicente, em Juazeiro no Norte, próximo à sua residência. O sepultamento deve ocorrer no Cemitério do Socorro. Os horários ainda não estão definidos.
Seu Lunga era um poeta, vendedor de sucata e repentista do Juazeiro do Norte, que ganhou notoriedade pelo seu temperamento forte, tornando-se um personagem do folclore nordestino. Seu apelido veio de uma vizinha que lhe chamava de Calunga, devido a sua loja. Com os passar dos anos ficou apenas Lunga.
Há quem diga que esse senhor ficou muito afamado lá pras bandas do Juazeiro por suas frases curtas e grossas. A Maioria das pessoas tem um tipo de inteligência diferente da do Seu Lunga. Seu Lunga é muito realista e peita as pessoas com suas desenfreadas frases feitas que vão de encontro a uma realidade de pensamento interessante. Se você pensar bem nas respostas dadas imperativamente, descobrirá que Seu Lunga sempre esteve com a razão. Daí dizermos que é bom pensar antes de falar. Para quem é curto e grosso e não tem paciência ou tolerância de escutar conversa com muito tró-ló-ló, sempre terá a carranca e as respostas curtas e grossas do Seu Lunga e ache ruim quem quiser porque ele nasceu assim e morreu assim. Isso é próprio da sua personalidade e temos que respeitar. Seu Lunga não era famoso apenas em Juazeiro. Sua fama se estendeu a todos os lugares do Brasil, principalmente, no Ceará. Nas redes sociais, ele ganhou mais destaque. Todos queremos ser um pouco do Seu Lunga. Então Seu Lunga deu lugar até mesmo para os jovens. Hoje, vê-se rapazes e moças que tem o mesmo comportamento do Seu Lunga. Abaixo, temos umas amostras destacadas das redes sociais que marcam a presença do uso constante do mau humor do Seu Lunga.
Seu Lunga tinha 87 anos e estava internado no Hospital São Vicente de Paulo, em Barbalha, onde tratava de um câncer de esôfago.
De acordo com Demontier Tenório, primo em segundo grau do sucateiro, há cerca de seis meses ele foi submetido a uma cirurgia no esôfago, mas se recuperava bem.
A previsão é que o corpo seja velado na Capela de São Vicente, em Juazeiro no Norte, próximo à sua residência. O sepultamento deve ocorrer no Cemitério do Socorro. Os horários ainda não estão definidos.
Seu Lunga era um poeta, vendedor de sucata e repentista do Juazeiro do Norte, que ganhou notoriedade pelo seu temperamento forte, tornando-se um personagem do folclore nordestino. Seu apelido veio de uma vizinha que lhe chamava de Calunga, devido a sua loja. Com os passar dos anos ficou apenas Lunga.
Há quem diga que esse senhor ficou muito afamado lá pras bandas do Juazeiro por suas frases curtas e grossas. A Maioria das pessoas tem um tipo de inteligência diferente da do Seu Lunga. Seu Lunga é muito realista e peita as pessoas com suas desenfreadas frases feitas que vão de encontro a uma realidade de pensamento interessante. Se você pensar bem nas respostas dadas imperativamente, descobrirá que Seu Lunga sempre esteve com a razão. Daí dizermos que é bom pensar antes de falar. Para quem é curto e grosso e não tem paciência ou tolerância de escutar conversa com muito tró-ló-ló, sempre terá a carranca e as respostas curtas e grossas do Seu Lunga e ache ruim quem quiser porque ele nasceu assim e morreu assim. Isso é próprio da sua personalidade e temos que respeitar. Seu Lunga não era famoso apenas em Juazeiro. Sua fama se estendeu a todos os lugares do Brasil, principalmente, no Ceará. Nas redes sociais, ele ganhou mais destaque. Todos queremos ser um pouco do Seu Lunga. Então Seu Lunga deu lugar até mesmo para os jovens. Hoje, vê-se rapazes e moças que tem o mesmo comportamento do Seu Lunga. Abaixo, temos umas amostras destacadas das redes sociais que marcam a presença do uso constante do mau humor do Seu Lunga.
E os causos do Seu Lunga são produções que tem origem no seu passado. Isso fazia parte do seu próprio SER. Criaturinha ignorante, pasmem! Mas, afinal, o que é ser ignorante? Ignorante é aquele que não se apropria do conhecimento. A inversão aconteceu. Seu Lunga era o mestre portador de uma sabedoria popular que lhe era nata. Bastasse que se buscasse entendimento em suas palavras para poder obter a certeza e a verdade dos significados que ele impunha em suas frases.
Perguntas bobas e bestas, tolerância ZERO. Quem é que suporta perguntas mal formuladas? Por isso, é melhor pensar antes de perguntar. Seu Lunga não gastava saliva e nem vocabulário em vão. Era homem que se dava valor. Comunicava-se de uma forma precisa e não lhe demorava a processar suas respostas. Doesse em quem doesse, ele era ríspido e preciso.
Agora, acabo de recordar uma das deles. "Seu Lunga estava carregando um balde de leite ao ombro e seu vizinho, admirado, lhe dirige a seguinte pergunta: "_Vai tomar um leitinho, Seu Lunga?" E ele, muito sábio em suas palavras, responde "_Não, vou lavar a calçada." Essas e tantas outras nos tornam seres mais alegres e divertidos porque a função das respostas ignorantes do Seu Lunga teve esse aspecto: o de fazer as pessoas rirem. Ele era um humorista com seu grande mal humor. Vamos ver logo abaixo mais piadas do Seu Lunga.
- Seu Lunga estava em sua casa, com sede. E manda seu sobrinho lhe trazer um pouco de leite. Daí o pobre do garoto pergunta: “No copo?” “Não. Bota no chão e vem empurrando com o rodo”.
- Seu Lunga estava no mercado com uma caixa de ovos. Daí perguntaram a ele: “Comprando ovos seu Lunga?” E ele responde: “Não, jogando um por um no chão. É traque de massa”. E joga os ovos no chão.
- Seu Lunga estava passeando na calçada com o cachorrinho. E lhe perguntam: “passeando com o cachorrinho, seu Lunga?” E Seu Lunga respondeu. “Não. É meu passarinho”, pegando o pobre poodle pela coleira e o fazendo voar.
- Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: “Tá doente, seu Lunga”? E ele responde: “Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério eu tava morto?”
- O funcionário do banco veio avisar: “Seu Lunga, a promissória venceu”. E ele respondeu: “Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória”.
- Um rapaz entrou em sua loja e disse: “Seu Lunga, tem pregos tamanho pequeno?”. E ele respondeu: “Tá aí no meio”, aponta para a caixa. E o rapaz procura, procura e não acha. Seu lunga resolve procurar e acha o prego tamanho pequeno. E o rapaz diz: “Obrigado”. E ele responde: “Nada disso. Agora você vai ter que procurar”, e devolve o prego à caixa.
Redação O POVO Online
- Seu Lunga estava em sua casa, com sede. E manda seu sobrinho lhe trazer um pouco de leite. Daí o pobre do garoto pergunta: “No copo?” “Não. Bota no chão e vem empurrando com o rodo”.
- Seu Lunga estava no mercado com uma caixa de ovos. Daí perguntaram a ele: “Comprando ovos seu Lunga?” E ele responde: “Não, jogando um por um no chão. É traque de massa”. E joga os ovos no chão.
- Seu Lunga estava passeando na calçada com o cachorrinho. E lhe perguntam: “passeando com o cachorrinho, seu Lunga?” E Seu Lunga respondeu. “Não. É meu passarinho”, pegando o pobre poodle pela coleira e o fazendo voar.
- Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: “Tá doente, seu Lunga”? E ele responde: “Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério eu tava morto?”
- O funcionário do banco veio avisar: “Seu Lunga, a promissória venceu”. E ele respondeu: “Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória”.
- Um rapaz entrou em sua loja e disse: “Seu Lunga, tem pregos tamanho pequeno?”. E ele respondeu: “Tá aí no meio”, aponta para a caixa. E o rapaz procura, procura e não acha. Seu lunga resolve procurar e acha o prego tamanho pequeno. E o rapaz diz: “Obrigado”. E ele responde: “Nada disso. Agora você vai ter que procurar”, e devolve o prego à caixa.
Redação O POVO Online
Mas o Seu Lunga não era o que pensávamos não. Seu Lunga, também, compartilhava conosco um comportamento de uma pessoa mansa e branda. Vejam ele participando de uma entrevista com o Jornal O POVO:
O POVO - Boa tarde, seu Lunga. Como vai?
Seu Lunga - Pois não.
OP - Somos do jornal O POVO, de Fortaleza. Podemos conversar com o senhor? São só algumas perguntas...
Seu Lunga - Às vezes, muita gente vem com umas perguntas, umas conversas tão bestas aqui. Que prejudica a gente.
OP - Que tipo de conversa besta o pessoal tem com o senhor?
Seu Lunga - Olha, muita gente chega aqui (no comércio) e diz: “Isso aqui é para vender?”. É pergunta besta. Aí querem que eu dê uma resposta grosseira. Isso faz mal à gente. Você está ocupado e o camarada chega perguntando bobagem...
OP - Mas a nossa intenção não é essa, não...
Seu Lunga - Tem um camarada aqui, que se vocês forem lá ele dá uma entrevista bacana. O nome dele é Geraldo Menezes. Ele é um professor, um dentista...
OP - A nossa intenção é conhecer um pouco mais sobre o senhor, seu Lunga. O senhor é nascido onde, em qual município?
Seu Lunga - Eu nasci aqui mesmo (Juazeiro do Norte).
OP - Qual a idade do senhor?
Seu Lunga - Completei 81 anos. Já estou dentro do 82. Nasci em 1927, no dia 18 de agosto.
OP - O senhor está muito bem...
Seu Lunga - É. Pra quem já tem 81...
OP - O senhor já trabalhou com o que, além de vender (tem uma loja no Centro de Juazeiro que vende de tudo)?
Seu Lunga - Eu nasci aqui, mas passei uns tempos morando no município de Assaré. Fui para lá menino. Tinha 20 anos. Minha origem de eu ter vindo para cá foi uma queda... Lá nós criávamos todo tipo de bicho: porco, carneiro, galinha, cavalo, burro, boi e vaca. Agora, sempre que era no fim das águas (época de seca), a lagoa de lá secava. A gente cavava um buraco para dar água aos bichos. Então eu escapolí da boca do buraco com 23 metros de fundura. Se eu tivesse caído de ponta, assim, tinha quebrado o pescoço. Mas eu caí de chapa (inteiro) no buraco. Porque a cacimba era com madeira, na boca. Aí escorreguei... Quando escorreguei, o corpo deu um balanço assim (mostra com as mãos o movimento do corpo) e caí de chapa.
OP - Aí o senhor veio a Juazeiro para se tratar?
Seu Lunga - Eu vim para me tratar. Vim com meu pai. Depois, eu fiquei e meu pai voltou. Fiquei trabalhando numa oficina de ourives. Passei uns tempos nessa oficina.
OP - Quanto tempo?
Seu Lunga - Eu vim para cá em 1947 já para 48. Passei até 1950 trabalhando de ourives. Olha aqui esse anel (mostra o anel no anelar da mão direita), fui eu que fiz. É de rubi. Aí, comecei a negociar cereais. Meu pai trouxe uma tia minha e uma irmã para ficar comigo. Fiquei numa casa lá no caminho do Horto. Aí entendi de me casar, me casei, e minha irmã voltou para lá com minha tia. E eu fiquei, negociando aqui no mercado. Passei uns anos negociando. Depois comprei um motor aqui na rua São Paulo. Naquele época não tinha energia elétrica. Aí comprei as máquinas com o motor. Eu pilava arroz, torrava café, vendia massa de milho, a palha do milho, do arroz... Em 1960, comprei esses dois prédios aqui (onde funciona sua oficina) e queria continuar, mas na época teve uma lero-lero (burocracia) danado. E eu não quis. Então, botei a oficina lá atrás e um camarada consertando televisão, rádio. Agora, de uns tempos desses para cá as coisas “fracaram” e tô só com essa bagaceira de coisas aqui.
OP - Por que as pessoas gostam de brincar com o senhor sobre sua zanga?
Seu Lunga - Olhe, nós estamos num Brasil sem moral. Num Brasil sem respeito. Num Brasil sem Justiça. Porque tem um senhor aqui que escreve uns folhetozinhos (cordel) falando da minha pessoa. Dizendo o que eu não sou, inventando histórias, inventando isso e aqui outro, dizendo que sou o homem mais ignorante do mundo. Mais zangado do mundo. E fica inventando cada vez mais histórias. E o povo compra esses folhetos.
OP - E o senhor fica chateado com isso? Essa fama incomoda?
Seu Lunga - Claro. Todo mundo fica. Você fica satisfeito com o cabra te chamando de fresco? De ladrão? Maconheiro? Sem vergonha? Então, eu não gosto dessa fama.
OP - O senhor se considera um homem feliz depois de tanto tempo aqui em Juazeiro?
Seu Lunga - A pessoa feliz é da pessoa. Agora, tem gente... Chegou aqui um povo vindo de Minas. O rapaz me perguntou: “Seu Lunga, por que o povo lhe chama de ignorante?”. Eu olhei pra ele e disse: “Rapaz, eu acho que o povo me chama de ignorante porque sei ler, sei escrever, sei as operações de conta. Aí, de minha teoria, eu criei um bocado de poesias...”
OP - O senhor faz poesias?
Seu Lunga - Não, eu não faço. Agora, eu faço um discurso, eu crio um discurso da criatura que morre, que deixa a vida material para a vida espiritual, fazendo uma despedida da vida eterna.
OP - Como é isso? Recite umas para a gente, só um trecho.
Seu Lunga - Assim: “Meu amigos, eis aqui o destino / Nós estamos aqui reunidos, assistindo a separação dessa criatura que vai deixando a vida material para a vida espiritual / Nós aqui com o coração cheio de dor, de lembrança e de recordação / Dos dias felizes que nós passamos aqui na terra, junto a esta criatura e hoje ele dá um Adeus deixando a recordação a seus irmãos, a seus filhos, a seus amigos, a seus parentes / Nós, aqui tristes, sentindo essa separação, mas lá está Jesus, de braços abertos, esperando a sua chegada com seus familiares / Pai, irmão, tio e mãe estão lá comemorando a sua chegada e nós, aqui, com o coração transportado de tristeza, de separação”. E por aí vai...
OP - Isso o senhor fez?
Seu Lunga - Eu crio. Criei uma poesia... Aliás, minhas poesias são mais sobre mulher (risos).
OP - Diz uma para a gente...
Seu Lunga - Peraí. Vou dizer mais de uma. Diz assim: “A mulher pra ser bonita, precisa ser alta e bela / Tendo um corpo desenhado, morena cor de canela / Mas os rapazes da Ribeira estão tudo loucos por ela”. E então?
OP - Ótima. O senhor tem alguma de Juazeiro, do Cariri?
Seu Lunga - Pera. Outra de mulher: “Se a beleza dessa jovem fosse numa Imperatriz / Se o homem do nosso Estado tivesse a sorte feliz / Tivesse ela como esposa seria o mais rico do País”. Então, é boa? Outra da mulher: “Quem me dera ser um pássaro, para no mundo voar / Eu ia para o oceano, depois podia voltar / Mas ia cair em teus braços somente para consolar”. E aí, boa?
OP - Boa sim. Então, o senhor tem sobre o Juazeiro, sobre o Cariri?
Seu Lunga - Não. Quero dizer, só assim algumas palavras. Tem uma que diz assim: “Terra boa o Cariri, tem mangaba e tem pequi / E ao redor de sete léguas, tem muito ‘fí duma égua’ que nega até um pequi”. (risos).
OP - (risos) O senhor tem outras de Juazeiro?
Seu Lunga - Olha, eu fiz uma poesia de caçador: “O pobre do caçador, com fome, descalço e nu, vai à noite pra caçada / Enquanto o tatu na dormida, pouco demora, dá um pulo e vai simbora por ter desgosto da vida”. É como o velho. Não queira ficar velho porque eu fiz uma poesia com velho.
OP - O senhor fez uma poesia com velho? Mas não é pensando no senhor não, né?
Seu Lunga - Não, mas é a mesma coisa (risos). Tanto faz como tanto fez. “Disse o pobre do velho mais a velha, quando vão se deitar, a colcha toda rompida / E um puxa e o outro puxa / E viver aquela sina dá desgosto na vida”. Agora eu fiz uma poesia que diz assim: “Quem não mora muito longe, morando perto é vizinho / Encostado a esta mata, mata que tem espinho / Cada pau tem o seu galho, cada galho tem um ninho / Não vou morar nessa mata por causa dos passarinhos”. Agora tem outra que diz assim: “Morava bem em Juazeiro / Me transportei daqui e fui morar em Salgueiro / Lá existe uma fazenda que só existe um mateiro / Existe também um boi, que é um grande boi madrugueiro / E eu montado em meu cavalo, cavalo muito ligeiro / E eu vou derribar o boi, cavalo, boi e vaqueiro”. Que tal?
OP - Boa demais. Seu Lunga, o senhor tem poesia sobre o Ceará?
Seu Lunga - Não...
OP - O senhor tem essa fama que lhe chateia, mas estamos desfazendo completamente a imagem que o pessoal fazia do senhor.
Seu Lunga - É... (suspira). Ainda bem.
OP - O senhor conta piada?
Seu Lunga - Não, não gosto de piada. Não gosto de piada e aí, tem muito desses camaradas que fazem os cordéis, que botam muita piada. Aí o cabra num vai gostar. Se você ler o cordel com as histórias, nenhuma é minha. Tem um (livro) aí que tem 157 histórias da minha pessoa. Nenhuma é verdade. Nem pensar em ser verdade.
OP - Tudo inventado?
Seu Lunga - Inventado. E histórias de vagabundo. Olha, eles contam aí que eu fui ao açougue. E cheguei lá e comprei uma cabeça de porco. Quando cheguei em casa a mulher disse: “Pra que é?” E eu disse: “Pra criar”. Escuta, eu nunca comprei cabeça de porco. Outros contam que eu estava arrumando as telhas e quebrei as telhas tudinho. Outro conta que eu vinha com um balde de leite, eu nunca carreguei balde de leite. Aí o cabra perguntou: “Seu Lunga, pra que é?”. E eu: “Pra lavar a calçada, e joguei o leite”. Histórias sem pé nem cabeça.
OP - Seu Lunga, como é o nome do senhor?
Seu Lunga - Meu nome mesmo é Joaquim Santos Rodrigues.
OP - O senhor é pai de quantos filhos?
Seu Lunga - Sou pai de 13 filhos.
OP - Treze? Todos ainda vivos?
Seu Lunga - Morreu um agora. São três homens e 10 mulheres.
OP - Seu filhos também não gostam dessas histórias que inventam do senhor, né?
Seu Lunga - Não, claro que não. Essas histórias que o povo conta... Meus filhos admiram a minha pessoa, gostam de mim. Mas eles não acham bom.
OP - Seu Lunga, o senhor é nascido aqui em Juazeiro, saiu, mas já voltou há mais de 50 anos. O que o senhor mais gosta no Juazeiro.
Seu Lunga - Homi, eu gosto do Juazeiro mais por causa do Padre Cícero.
OP - O senhor é devoto dele também...
Seu Lunga - Sou, do Padre Cícero. Você tem muita história do Padre Cícero aqui. Eu ainda tenho fé que ele vai ser canonizado. Você pensando bem, a história do Padre Cícero que o povo contava tem muita coisa... Eu alcancei ele, mas quando ele morreu eu era muito pequeno. Ele morreu em 1934, eu tinha 6 anos.
OP - O senhor chegou a vê-lo alguma vez?
Seu Lunga - Cheguei, eu vi. Me lembro.
OP - Ele já trazia muita gente para cá mesmo?
Seu Lunga - O Padre Cícero tem muita história. O povo conta histórias dele ainda criança. Ele tinha seis anos, estudava no Crato. Aí, tinha uma escola lá e nesse tempo os meninos andavam de chapéu. Os meninos tinham inveja dele, porque ele era muito inteligente. Os professores gostavam muito dele, das conversas dele. Aí, os outros meninos compraram um outro chapéu e botaram no lugar do chapéu do Padre Cícero. E eles ficaram todos curiosos para saber o que o Padre Cícero ia fazer quando chegasse. Aí quando ele chegou, olhou, e não tinha mais graça de botar o chapéu. Não era o dele. Aí ele pegou o chapéu, colocou na parede e ficou sem...
OP - Era um chapéu igual ao que o senhor está usando?
Seu Lunga - Eu não sei como era o chapéu. Quando Padre Cícero era criança isso foi em em 1870, por aí. Então, aí o chapéu ficou pregado na parede. E os meninos saíram dizendo que Padre Cícero era feiticeiro, isso e aquilo outro. Tem muitas histórias dele. Tinha um senhor aqui, o Aureliano (Pereira da Silva). Ele já morreu, mas tem um bocado de filhos vivos. Ele mesmo me contou uma história que se passou com ele. Era garoto e foi a Barbalha, a cavalo. Naquele tempo não havia carro. Aí, lá, por volta de 11 horas ele encontrou Padre Cícero. Ele já tinha resolvido o problema dele e ficou acompanhando o Padre Cícero. E quando o sol se enterrou, Padre Cícero disse: Vamo simbora!”. E o camarada pensou: “Meu Deus, como é que nós vamos de noite, de Barbalha pra casa”. Mas eles foram indo, indo e encontraram uma casa. O padre mandou parar. Quando chegaram no terreno da casa, a mulher gritou lá de dentro: “Padre, eu mandei lá, o rapaz já foi duas vezes lá no Juazeiro e não lhe encontrou. E coisa e tal”. E Padre Cícero respondeu: “o que foi que houve?”. “Fulano morreu”, disse ela. E entraram na casa para ver o morto. Padre Cícero disse: “Morreu não, minha senhora”. Puxou o braço dele, apertou a mão e gritou: “Compadre fulano”. Aí o homem, que não estava morto, respondeu: “Me levante e vamos conversar”. O Padre Cícero ajudou o homem a se levantar e deu a extrema unção a ele. Conversou com ele e disse para a senhora: “Agora traga um vela que ele agora vai morrer, mas ele não tinha morrido ainda”. Aí colocou as mãos nele e o ajudou a morrer. Aureliano ficou abismado porque Padre Cícero tinha sentido, lá na estrada, que o compadre dele tava para morrer. Bem, Aureliano, depois disso, ele se casou. A mulher morreu. Casou-se de novo, a mulher morreu de novo. E ele adoeceu. A mãe dele mandou chamar Padre Cícero. Aí a mãe dele perguntou: “Padre, será que ele vai morrer”. E Padre Cícero respondeu: “Vai nada. Ele vai ficar bom. E olhe: ele ainda vai ser pai de 36 filhos”. Aí a mãe dele: “Mas padre, 36 filhos?”. O que se sabe é que ele ficou bom, casou-se mais quatro vezes e foi pai de 36 filhos.
OP - Como era Juazeiro nessa época?
Seu Lunga - Daqui pra lá não tinha casa. Padre Cícero disse uma vez no sermão: “Juazeiro vai emendar com Crato e Barbalha”. E não é que está emendando mesmo?
OP - Tem razão... Tchau, seu Lunga. Foi um prazer.
Seu Lunga - Até logo. Boa viagem.
Piadas atribuídas a seu Lunga
> Seu Lunga estava em sua casa, com sede. E manda seu sobrinho lhe trazer um pouco de leite. Daí o pobre do garoto pergunta: “No copo?” “Não. Bota no chão e vem empurrando com o rodo”.
> Seu Lunga estava no mercado com uma caixa de ovos. Daí perguntaram a ele: “Comprando ovos seu Lunga?” E ele responde: “Não, jogando um por um no chão. É traque de massa”. E joga os ovos no chão.
> Seu Lunga estava passeando na calçada com o cachorrinho. E lhe perguntam: “passeando com o cachorrinho, seu Lunga?” E Seu Lunga respondeu. “Não. É meu passarinho”, pegando o pobre poodle pela coleira e o fazendo voar.
> Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: “Tá doente, seu Lunga”? E ele responde: “Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério eu tava morto?”
> O funcionário do banco veio avisar: “Seu Lunga, a promissória venceu”. E ele respondeu: “Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória”.
> Um rapaz entrou em sua loja e disse: “Seu Lunga, tem pregos tamanho pequeno?”. E ele respondeu: “Tá aí no meio”, aponta para a caixa. E o rapaz procura, procura e não acha. Seu lunga resolve procurar e acha o prego tamanho pequeno. E o rapaz diz: “Obrigado”. E ele responde: “Nada disso. Agora você vai ter que procurar”, e devolve o prego à caixa.
E-Mais
Em princípio, a conversa com seu Lunga não seria uma entrevista de Páginas Azuis. Os repórteres Thiago Cafardo e Cláudio Ribeiro, o fotógrafo Evilázio Bezerra e o motorista Valdir Gomes queriam apenas conhecer um pouco mais sobre o homem que permeia o imaginário popular dos cearenses, por causa de sua zanga. O bate-papo ocorreu em sua própria loja, no centro de Juazeiro.
Seu Lunga acompanhou a equipe do O POVO até a porta de sua loja após a conversa. Antes de se despedir, perguntou aos jornalistas sobre o que achavam do momento atual da política brasileira. Aproveitou para criticar os políticos, inclusive o presidente Lula. “É tudo a mesma coisa”, disse. Após a despedida, todos tiraram fotos com seu Lunga.
O apelido vem desde pequeno, quando uma vizinha de sua família começou a lhe chamar de “Calunga”, que depois acabou virando apenas Lunga. Ele não sabe explicar o motivo do apelido. Originalmente, Calunga era o nome atribuído a descendentes de escravos fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades auto-suficientes e viveram mais de duzentos anos isolados em regiões remotas.
Seu Lunga já virou celebridade também na Internet. No site de relacionamentos Orkut (www.orkut.com.br) existem mais de 20 comunidades em “homenagem” ao comerciante. A maior delas, com o título “Seu Lunga - Fã Clube”, tem quase 75 mil pessoas. Há também comunidades com o nome “Discípulos de seu Lunga” ou “Sou fã nº1 do seu Lunga”.
Seu Joaquim dos Santos Rodrigues nasceu em Juazeiro do Norte, no dia 18 de agosto de 1927. Mas morou durante toda a infância em Assaré. Voltou a Juazeiro do Norte aos 20 anos, em 1947, onde casou-se e teve 13 filhos - três homens e 10 mulheres. Doze estão vivos. Trabalhou na agricultura e como ourives, antes de comprar o prédio onde funciona sua loja.
Você fica satisfeito com o cabra te chamando de fresco? De ladrão? Maconheiro? Sem vergonha? Então, eu não gosto dessa fama
Ficam dizendo o que eu não sou, inventando histórias, isso e aquilo outro, dizendo que sou o homem mais ignorante do mundo
Sou devoto do Padre Cícero. Você tem muitas histórias do Padre Cícero aqui em Juazeiro. Eu tenho fé que ele ainda vai ser canonizado
Biografia
Nascido em 18 de agosto de 1927 no município de Caririaçu, Joaquim dos Santos Rodrigues passou a infância com os pais e sete irmãos no município de Assaré. Voltou a Juazeiro do Norte aos 20 anos, em 1947, onde casou-se e teve 13 filhos - três homens e 10 mulheres.
Em entrevista às Páginas Azuis, do O POVO, em novembro de 2009, seu Lunga, como é conhecido desde “menino novo”, fez questão de negar a autoria das piadas grosseiras atribuídas a ele. Os cordelistas eram o principal alvo da mágoa de seu Lunga. “Eles ficam falando da minha pessoa, dizendo o que eu não sou”, lamenta.
Durante a conversa com a reportagem, seu Joaquim falou sobre sua devoção a Padre Cícero, distribuiu sorrisos e até recitou poesias. “Nenhuma dessas histórias (contadas nos cordéis) é verdade. É tudo inventado”, se queixou seu Lunga, na época.
O POVO - Boa tarde, seu Lunga. Como vai?
Seu Lunga - Pois não.
OP - Somos do jornal O POVO, de Fortaleza. Podemos conversar com o senhor? São só algumas perguntas...
Seu Lunga - Às vezes, muita gente vem com umas perguntas, umas conversas tão bestas aqui. Que prejudica a gente.
OP - Que tipo de conversa besta o pessoal tem com o senhor?
Seu Lunga - Olha, muita gente chega aqui (no comércio) e diz: “Isso aqui é para vender?”. É pergunta besta. Aí querem que eu dê uma resposta grosseira. Isso faz mal à gente. Você está ocupado e o camarada chega perguntando bobagem...
OP - Mas a nossa intenção não é essa, não...
Seu Lunga - Tem um camarada aqui, que se vocês forem lá ele dá uma entrevista bacana. O nome dele é Geraldo Menezes. Ele é um professor, um dentista...
OP - A nossa intenção é conhecer um pouco mais sobre o senhor, seu Lunga. O senhor é nascido onde, em qual município?
Seu Lunga - Eu nasci aqui mesmo (Juazeiro do Norte).
OP - Qual a idade do senhor?
Seu Lunga - Completei 81 anos. Já estou dentro do 82. Nasci em 1927, no dia 18 de agosto.
OP - O senhor está muito bem...
Seu Lunga - É. Pra quem já tem 81...
OP - O senhor já trabalhou com o que, além de vender (tem uma loja no Centro de Juazeiro que vende de tudo)?
Seu Lunga - Eu nasci aqui, mas passei uns tempos morando no município de Assaré. Fui para lá menino. Tinha 20 anos. Minha origem de eu ter vindo para cá foi uma queda... Lá nós criávamos todo tipo de bicho: porco, carneiro, galinha, cavalo, burro, boi e vaca. Agora, sempre que era no fim das águas (época de seca), a lagoa de lá secava. A gente cavava um buraco para dar água aos bichos. Então eu escapolí da boca do buraco com 23 metros de fundura. Se eu tivesse caído de ponta, assim, tinha quebrado o pescoço. Mas eu caí de chapa (inteiro) no buraco. Porque a cacimba era com madeira, na boca. Aí escorreguei... Quando escorreguei, o corpo deu um balanço assim (mostra com as mãos o movimento do corpo) e caí de chapa.
OP - Aí o senhor veio a Juazeiro para se tratar?
Seu Lunga - Eu vim para me tratar. Vim com meu pai. Depois, eu fiquei e meu pai voltou. Fiquei trabalhando numa oficina de ourives. Passei uns tempos nessa oficina.
OP - Quanto tempo?
Seu Lunga - Eu vim para cá em 1947 já para 48. Passei até 1950 trabalhando de ourives. Olha aqui esse anel (mostra o anel no anelar da mão direita), fui eu que fiz. É de rubi. Aí, comecei a negociar cereais. Meu pai trouxe uma tia minha e uma irmã para ficar comigo. Fiquei numa casa lá no caminho do Horto. Aí entendi de me casar, me casei, e minha irmã voltou para lá com minha tia. E eu fiquei, negociando aqui no mercado. Passei uns anos negociando. Depois comprei um motor aqui na rua São Paulo. Naquele época não tinha energia elétrica. Aí comprei as máquinas com o motor. Eu pilava arroz, torrava café, vendia massa de milho, a palha do milho, do arroz... Em 1960, comprei esses dois prédios aqui (onde funciona sua oficina) e queria continuar, mas na época teve uma lero-lero (burocracia) danado. E eu não quis. Então, botei a oficina lá atrás e um camarada consertando televisão, rádio. Agora, de uns tempos desses para cá as coisas “fracaram” e tô só com essa bagaceira de coisas aqui.
OP - Por que as pessoas gostam de brincar com o senhor sobre sua zanga?
Seu Lunga - Olhe, nós estamos num Brasil sem moral. Num Brasil sem respeito. Num Brasil sem Justiça. Porque tem um senhor aqui que escreve uns folhetozinhos (cordel) falando da minha pessoa. Dizendo o que eu não sou, inventando histórias, inventando isso e aqui outro, dizendo que sou o homem mais ignorante do mundo. Mais zangado do mundo. E fica inventando cada vez mais histórias. E o povo compra esses folhetos.
OP - E o senhor fica chateado com isso? Essa fama incomoda?
Seu Lunga - Claro. Todo mundo fica. Você fica satisfeito com o cabra te chamando de fresco? De ladrão? Maconheiro? Sem vergonha? Então, eu não gosto dessa fama.
OP - O senhor se considera um homem feliz depois de tanto tempo aqui em Juazeiro?
Seu Lunga - A pessoa feliz é da pessoa. Agora, tem gente... Chegou aqui um povo vindo de Minas. O rapaz me perguntou: “Seu Lunga, por que o povo lhe chama de ignorante?”. Eu olhei pra ele e disse: “Rapaz, eu acho que o povo me chama de ignorante porque sei ler, sei escrever, sei as operações de conta. Aí, de minha teoria, eu criei um bocado de poesias...”
OP - O senhor faz poesias?
Seu Lunga - Não, eu não faço. Agora, eu faço um discurso, eu crio um discurso da criatura que morre, que deixa a vida material para a vida espiritual, fazendo uma despedida da vida eterna.
OP - Como é isso? Recite umas para a gente, só um trecho.
Seu Lunga - Assim: “Meu amigos, eis aqui o destino / Nós estamos aqui reunidos, assistindo a separação dessa criatura que vai deixando a vida material para a vida espiritual / Nós aqui com o coração cheio de dor, de lembrança e de recordação / Dos dias felizes que nós passamos aqui na terra, junto a esta criatura e hoje ele dá um Adeus deixando a recordação a seus irmãos, a seus filhos, a seus amigos, a seus parentes / Nós, aqui tristes, sentindo essa separação, mas lá está Jesus, de braços abertos, esperando a sua chegada com seus familiares / Pai, irmão, tio e mãe estão lá comemorando a sua chegada e nós, aqui, com o coração transportado de tristeza, de separação”. E por aí vai...
OP - Isso o senhor fez?
Seu Lunga - Eu crio. Criei uma poesia... Aliás, minhas poesias são mais sobre mulher (risos).
OP - Diz uma para a gente...
Seu Lunga - Peraí. Vou dizer mais de uma. Diz assim: “A mulher pra ser bonita, precisa ser alta e bela / Tendo um corpo desenhado, morena cor de canela / Mas os rapazes da Ribeira estão tudo loucos por ela”. E então?
OP - Ótima. O senhor tem alguma de Juazeiro, do Cariri?
Seu Lunga - Pera. Outra de mulher: “Se a beleza dessa jovem fosse numa Imperatriz / Se o homem do nosso Estado tivesse a sorte feliz / Tivesse ela como esposa seria o mais rico do País”. Então, é boa? Outra da mulher: “Quem me dera ser um pássaro, para no mundo voar / Eu ia para o oceano, depois podia voltar / Mas ia cair em teus braços somente para consolar”. E aí, boa?
OP - Boa sim. Então, o senhor tem sobre o Juazeiro, sobre o Cariri?
Seu Lunga - Não. Quero dizer, só assim algumas palavras. Tem uma que diz assim: “Terra boa o Cariri, tem mangaba e tem pequi / E ao redor de sete léguas, tem muito ‘fí duma égua’ que nega até um pequi”. (risos).
OP - (risos) O senhor tem outras de Juazeiro?
Seu Lunga - Olha, eu fiz uma poesia de caçador: “O pobre do caçador, com fome, descalço e nu, vai à noite pra caçada / Enquanto o tatu na dormida, pouco demora, dá um pulo e vai simbora por ter desgosto da vida”. É como o velho. Não queira ficar velho porque eu fiz uma poesia com velho.
OP - O senhor fez uma poesia com velho? Mas não é pensando no senhor não, né?
Seu Lunga - Não, mas é a mesma coisa (risos). Tanto faz como tanto fez. “Disse o pobre do velho mais a velha, quando vão se deitar, a colcha toda rompida / E um puxa e o outro puxa / E viver aquela sina dá desgosto na vida”. Agora eu fiz uma poesia que diz assim: “Quem não mora muito longe, morando perto é vizinho / Encostado a esta mata, mata que tem espinho / Cada pau tem o seu galho, cada galho tem um ninho / Não vou morar nessa mata por causa dos passarinhos”. Agora tem outra que diz assim: “Morava bem em Juazeiro / Me transportei daqui e fui morar em Salgueiro / Lá existe uma fazenda que só existe um mateiro / Existe também um boi, que é um grande boi madrugueiro / E eu montado em meu cavalo, cavalo muito ligeiro / E eu vou derribar o boi, cavalo, boi e vaqueiro”. Que tal?
OP - Boa demais. Seu Lunga, o senhor tem poesia sobre o Ceará?
Seu Lunga - Não...
OP - O senhor tem essa fama que lhe chateia, mas estamos desfazendo completamente a imagem que o pessoal fazia do senhor.
Seu Lunga - É... (suspira). Ainda bem.
OP - O senhor conta piada?
Seu Lunga - Não, não gosto de piada. Não gosto de piada e aí, tem muito desses camaradas que fazem os cordéis, que botam muita piada. Aí o cabra num vai gostar. Se você ler o cordel com as histórias, nenhuma é minha. Tem um (livro) aí que tem 157 histórias da minha pessoa. Nenhuma é verdade. Nem pensar em ser verdade.
OP - Tudo inventado?
Seu Lunga - Inventado. E histórias de vagabundo. Olha, eles contam aí que eu fui ao açougue. E cheguei lá e comprei uma cabeça de porco. Quando cheguei em casa a mulher disse: “Pra que é?” E eu disse: “Pra criar”. Escuta, eu nunca comprei cabeça de porco. Outros contam que eu estava arrumando as telhas e quebrei as telhas tudinho. Outro conta que eu vinha com um balde de leite, eu nunca carreguei balde de leite. Aí o cabra perguntou: “Seu Lunga, pra que é?”. E eu: “Pra lavar a calçada, e joguei o leite”. Histórias sem pé nem cabeça.
OP - Seu Lunga, como é o nome do senhor?
Seu Lunga - Meu nome mesmo é Joaquim Santos Rodrigues.
OP - O senhor é pai de quantos filhos?
Seu Lunga - Sou pai de 13 filhos.
OP - Treze? Todos ainda vivos?
Seu Lunga - Morreu um agora. São três homens e 10 mulheres.
OP - Seu filhos também não gostam dessas histórias que inventam do senhor, né?
Seu Lunga - Não, claro que não. Essas histórias que o povo conta... Meus filhos admiram a minha pessoa, gostam de mim. Mas eles não acham bom.
OP - Seu Lunga, o senhor é nascido aqui em Juazeiro, saiu, mas já voltou há mais de 50 anos. O que o senhor mais gosta no Juazeiro.
Seu Lunga - Homi, eu gosto do Juazeiro mais por causa do Padre Cícero.
OP - O senhor é devoto dele também...
Seu Lunga - Sou, do Padre Cícero. Você tem muita história do Padre Cícero aqui. Eu ainda tenho fé que ele vai ser canonizado. Você pensando bem, a história do Padre Cícero que o povo contava tem muita coisa... Eu alcancei ele, mas quando ele morreu eu era muito pequeno. Ele morreu em 1934, eu tinha 6 anos.
OP - O senhor chegou a vê-lo alguma vez?
Seu Lunga - Cheguei, eu vi. Me lembro.
OP - Ele já trazia muita gente para cá mesmo?
Seu Lunga - O Padre Cícero tem muita história. O povo conta histórias dele ainda criança. Ele tinha seis anos, estudava no Crato. Aí, tinha uma escola lá e nesse tempo os meninos andavam de chapéu. Os meninos tinham inveja dele, porque ele era muito inteligente. Os professores gostavam muito dele, das conversas dele. Aí, os outros meninos compraram um outro chapéu e botaram no lugar do chapéu do Padre Cícero. E eles ficaram todos curiosos para saber o que o Padre Cícero ia fazer quando chegasse. Aí quando ele chegou, olhou, e não tinha mais graça de botar o chapéu. Não era o dele. Aí ele pegou o chapéu, colocou na parede e ficou sem...
OP - Era um chapéu igual ao que o senhor está usando?
Seu Lunga - Eu não sei como era o chapéu. Quando Padre Cícero era criança isso foi em em 1870, por aí. Então, aí o chapéu ficou pregado na parede. E os meninos saíram dizendo que Padre Cícero era feiticeiro, isso e aquilo outro. Tem muitas histórias dele. Tinha um senhor aqui, o Aureliano (Pereira da Silva). Ele já morreu, mas tem um bocado de filhos vivos. Ele mesmo me contou uma história que se passou com ele. Era garoto e foi a Barbalha, a cavalo. Naquele tempo não havia carro. Aí, lá, por volta de 11 horas ele encontrou Padre Cícero. Ele já tinha resolvido o problema dele e ficou acompanhando o Padre Cícero. E quando o sol se enterrou, Padre Cícero disse: Vamo simbora!”. E o camarada pensou: “Meu Deus, como é que nós vamos de noite, de Barbalha pra casa”. Mas eles foram indo, indo e encontraram uma casa. O padre mandou parar. Quando chegaram no terreno da casa, a mulher gritou lá de dentro: “Padre, eu mandei lá, o rapaz já foi duas vezes lá no Juazeiro e não lhe encontrou. E coisa e tal”. E Padre Cícero respondeu: “o que foi que houve?”. “Fulano morreu”, disse ela. E entraram na casa para ver o morto. Padre Cícero disse: “Morreu não, minha senhora”. Puxou o braço dele, apertou a mão e gritou: “Compadre fulano”. Aí o homem, que não estava morto, respondeu: “Me levante e vamos conversar”. O Padre Cícero ajudou o homem a se levantar e deu a extrema unção a ele. Conversou com ele e disse para a senhora: “Agora traga um vela que ele agora vai morrer, mas ele não tinha morrido ainda”. Aí colocou as mãos nele e o ajudou a morrer. Aureliano ficou abismado porque Padre Cícero tinha sentido, lá na estrada, que o compadre dele tava para morrer. Bem, Aureliano, depois disso, ele se casou. A mulher morreu. Casou-se de novo, a mulher morreu de novo. E ele adoeceu. A mãe dele mandou chamar Padre Cícero. Aí a mãe dele perguntou: “Padre, será que ele vai morrer”. E Padre Cícero respondeu: “Vai nada. Ele vai ficar bom. E olhe: ele ainda vai ser pai de 36 filhos”. Aí a mãe dele: “Mas padre, 36 filhos?”. O que se sabe é que ele ficou bom, casou-se mais quatro vezes e foi pai de 36 filhos.
OP - Como era Juazeiro nessa época?
Seu Lunga - Daqui pra lá não tinha casa. Padre Cícero disse uma vez no sermão: “Juazeiro vai emendar com Crato e Barbalha”. E não é que está emendando mesmo?
OP - Tem razão... Tchau, seu Lunga. Foi um prazer.
Seu Lunga - Até logo. Boa viagem.
Piadas atribuídas a seu Lunga
> Seu Lunga estava em sua casa, com sede. E manda seu sobrinho lhe trazer um pouco de leite. Daí o pobre do garoto pergunta: “No copo?” “Não. Bota no chão e vem empurrando com o rodo”.
> Seu Lunga estava no mercado com uma caixa de ovos. Daí perguntaram a ele: “Comprando ovos seu Lunga?” E ele responde: “Não, jogando um por um no chão. É traque de massa”. E joga os ovos no chão.
> Seu Lunga estava passeando na calçada com o cachorrinho. E lhe perguntam: “passeando com o cachorrinho, seu Lunga?” E Seu Lunga respondeu. “Não. É meu passarinho”, pegando o pobre poodle pela coleira e o fazendo voar.
> Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: “Tá doente, seu Lunga”? E ele responde: “Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério eu tava morto?”
> O funcionário do banco veio avisar: “Seu Lunga, a promissória venceu”. E ele respondeu: “Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória”.
> Um rapaz entrou em sua loja e disse: “Seu Lunga, tem pregos tamanho pequeno?”. E ele respondeu: “Tá aí no meio”, aponta para a caixa. E o rapaz procura, procura e não acha. Seu lunga resolve procurar e acha o prego tamanho pequeno. E o rapaz diz: “Obrigado”. E ele responde: “Nada disso. Agora você vai ter que procurar”, e devolve o prego à caixa.
E-Mais
Em princípio, a conversa com seu Lunga não seria uma entrevista de Páginas Azuis. Os repórteres Thiago Cafardo e Cláudio Ribeiro, o fotógrafo Evilázio Bezerra e o motorista Valdir Gomes queriam apenas conhecer um pouco mais sobre o homem que permeia o imaginário popular dos cearenses, por causa de sua zanga. O bate-papo ocorreu em sua própria loja, no centro de Juazeiro.
Seu Lunga acompanhou a equipe do O POVO até a porta de sua loja após a conversa. Antes de se despedir, perguntou aos jornalistas sobre o que achavam do momento atual da política brasileira. Aproveitou para criticar os políticos, inclusive o presidente Lula. “É tudo a mesma coisa”, disse. Após a despedida, todos tiraram fotos com seu Lunga.
O apelido vem desde pequeno, quando uma vizinha de sua família começou a lhe chamar de “Calunga”, que depois acabou virando apenas Lunga. Ele não sabe explicar o motivo do apelido. Originalmente, Calunga era o nome atribuído a descendentes de escravos fugidos e libertos das minas de ouro do Brasil central que formaram comunidades auto-suficientes e viveram mais de duzentos anos isolados em regiões remotas.
Seu Lunga já virou celebridade também na Internet. No site de relacionamentos Orkut (www.orkut.com.br) existem mais de 20 comunidades em “homenagem” ao comerciante. A maior delas, com o título “Seu Lunga - Fã Clube”, tem quase 75 mil pessoas. Há também comunidades com o nome “Discípulos de seu Lunga” ou “Sou fã nº1 do seu Lunga”.
Seu Joaquim dos Santos Rodrigues nasceu em Juazeiro do Norte, no dia 18 de agosto de 1927. Mas morou durante toda a infância em Assaré. Voltou a Juazeiro do Norte aos 20 anos, em 1947, onde casou-se e teve 13 filhos - três homens e 10 mulheres. Doze estão vivos. Trabalhou na agricultura e como ourives, antes de comprar o prédio onde funciona sua loja.
Você fica satisfeito com o cabra te chamando de fresco? De ladrão? Maconheiro? Sem vergonha? Então, eu não gosto dessa fama
Ficam dizendo o que eu não sou, inventando histórias, isso e aquilo outro, dizendo que sou o homem mais ignorante do mundo
Sou devoto do Padre Cícero. Você tem muitas histórias do Padre Cícero aqui em Juazeiro. Eu tenho fé que ele ainda vai ser canonizado
Biografia
Nascido em 18 de agosto de 1927 no município de Caririaçu, Joaquim dos Santos Rodrigues passou a infância com os pais e sete irmãos no município de Assaré. Voltou a Juazeiro do Norte aos 20 anos, em 1947, onde casou-se e teve 13 filhos - três homens e 10 mulheres.
Em entrevista às Páginas Azuis, do O POVO, em novembro de 2009, seu Lunga, como é conhecido desde “menino novo”, fez questão de negar a autoria das piadas grosseiras atribuídas a ele. Os cordelistas eram o principal alvo da mágoa de seu Lunga. “Eles ficam falando da minha pessoa, dizendo o que eu não sou”, lamenta.
Durante a conversa com a reportagem, seu Joaquim falou sobre sua devoção a Padre Cícero, distribuiu sorrisos e até recitou poesias. “Nenhuma dessas histórias (contadas nos cordéis) é verdade. É tudo inventado”, se queixou seu Lunga, na época.
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