No auge de seus 92 anos, dona Maria Martina não perde uma oportunidade de "vestir a "camisa. Assim, pode mostrar afeto pelo País
ALEX COSTA
A qualquer hora, a Rua Canuto de Aguiar é animada. Para a Copa 2010, a comunidade se uniu, fez doações e bingos para comprar tintas e decorar as casas e a via
ALEX COSTA
20/6/2010
Em época de campeonato mundial, vale tudo para demonstrar o amor pelo Brasil
Nem parece a Fortaleza de sempre. Em vez do colorido da Cidade ficar apenas a cargo das belas paisagens litorâneas, em época de Copa do Mundo, o verde e o amarelo se espalham, e muito, pelas ruas, casas e pessoas. Por sinal, elas, que nem sempre se declaram apaixonadas pelo Brasil, identificam-se, nessa hora, com tudo que lembra a pátria: bandeira, hino, cores, enfim... Tornam-se grandes patriotas!
Para isso, seja na periferia ou em bairros nobres, vale juntar alimentos, montar cesta básica e fazer um bingo para gastar R$ 1.500 em tintas e bandeirolas, como na Rua Canuto de Aguiar, no Meireles. Ou, ainda, fazer cota, decorar as vias e as casas, como foi feito na João Brígido, Joaquim Távora. A questão que se coloca, porém, é por que esse patriotismo é tão forte só em ocasiões como a Copa?
Identificação
Segundo o professor de Sociologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), Gerardo Clésio Arruda, patriotismo é justamente a identificação dos indivíduos com os elementos que lembram o País. Para ele, isso não acontece em outros períodos pelo fato de que, na história política do Brasil, os eventos não contaram com a participação popular, a exemplo da Independência ou da Proclamação da República. Assim, ressalta, os populares se mantém à parte.
"Não se tem, no Brasil, um movimento de grande expressão com o apoio popular. Quando aconteceu e a população se agregou, as ações foram muito reprimidas", recorda. Dessa forma, ressalta, houve a ausência de grandes líderes, na história, vindos das massas. "Aqueles que existiram foram das classes abastadas". Com a Copa, compara, o mesmo não ocorre pois é um evento esportivo que "perpassa os níveis sociais".
Além disso, parte dos jogadores é oriunda de classes humildes, provocando identificação com eles e até com o grupo de torcedores. A psicanalista Márcia Batista, mestre em Psicologia, explica acontecer, na Copa, o que o pai da Psicanálise, Sigmund Freud, em diálogo com o psicólogo social Gustave Le Bon, já havia discutido: em grupo, o sujeito tende a assumir características e pensamentos dos demais integrantes.
Ideal
"Ocorre identificação. A seleção passa a ser um ideal. Nela, a pessoa se mira e faz o investimento emocional". A Copa é o "ápice" do acontecimento de massa, gerando a sensação de pertença. "As pessoas se sentem tentadas a participar".
Tradição de festas
Carlos Alberto da Cruz, 60 anos
Morador desde pequeno da Rua Canuto de Aguiar, Carlos logo é indicado como grande idealizador da torcida e das festividades. Cotas, bingos e, claro, um pequeno trio elétrico são usados por ele para a festa dos vizinhos
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Futebol está nas diferentes classes sociais
Peregrina Capelo - Coord. do Lab. de Antropologia da UFC
O futebol brasileiro é um ato físico, que atinge todas as classes sociais. Ele nasce como esporte de elite, pois sua prática era proibida nas camadas mais pobres. Porém, por ser barato, não exigir maquinaria ou terreno específicos, passa a ser comum a todos os níveis sociais.
Quando o Brasil passa por um processo de urbanização, há a amplidão de espaços livres a céu aberto, que se tornam campos improvisados. O futebol caracteriza-se, então, por ser um esporte popular. Quase todos os jogadores advêm de famílias humildes e têm de aprender a correr atrás da bola para sair da miséria. Se têm talento, são separados da família e se tornam heróis da bola, do bairro, da cidade.
Há, portanto, a formação do hábito esportivo presente em todos. A Copa do Mundo, assim, é o momento que envolve o trabalho de arrumar a casa para receber amigos e a possibilidade de demonstrar o afeto pelo País. É um evento de grande força popular. Até porque, no Brasil, ele é uma linha de fuga, de encontro com a felicidade, com o lúdico, de se sentir campeão, um verdadeiro herói. A Copa acaba sendo uma festa como o carnaval.
SEM LIMITES
Quando a "paixão" gera problemas
Em meio a tantas declarações de amor pelo País e pelo time, a psicanalista Márcia Batista alerta, porém, para os problemas que podem aparecer a partir da devoção desenfreada. Como ressalta, por acontecer essa "confusão" entre o indivíduo e o grupo, sacrifícios em nome do coletivo passam a se sobrepor aos interesses pessoais, gerando o consumo e até atos violentos.
O consumo, como diz, é estimulado por propagandas e lojas. "Neste período, a população é incentivada por estímulos, investimentos de massa. Todos se veem envoltos pela ideia de sucesso, de se sentir importante. Isso mexe com o imaginário, com a identificação, e os limites ficam fragilizados".
Para a psicanalista, toda essa identificação, até "sem limites", acontece devido à ausência de referências percebida na atualidade. "Como se estivéssemos carentes de líderes, ideais e ideologias". O futebol assume esse papel, muitos mergulham na ilusão e "passam até a cometer atos bárbaros", opina.
JANINE MAIA
Repórter
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